nota esparsa 1: nadar

Published September 5, 2023



(rondar o fantasma é alimentá-lo)

a melhor maneira de resolver um fantasma é deixar ele ir.
— as vezes sinto que deixar ir embora é deixar de perguntar por quem eu sou e,
assim me prossigo,
faço postura de nadar com medo mesmo.

de alguma forma fantasmas também são bordas,
nadar com eles não me faz sentir à deriva. e, aliás
o que seria nadar com medo mesmo?
— não saber se dessa vez a água vai inflamar o nariz, ou
se já estou no exato ponto histórico individual coletivo
em que respiro com as guelras que precisava após

— isso parece mais curiosidade que medo.

eu estou sempre com a cabeça para fora.

— ainda permaneço dentro d’água
até porque não a controlamos
julgamos ir até o ponto que podemos dizer não, mas

— quando vê até água-viva queima.

— se você bóia e a água cobre os ouvidos
e os braços ficam menos maciços
e as pernas flutuam na superfície como no vão da beira de uma cadeira
e os olhos deslizam para a acústica interna
(você não percebe nunca as coisas de perto?)
e não importa onde está o seu nariz
ou as guelras que você idealizou

as vezes queima,
as vezes é o abraço de maior cobertura que você receberá.

(as vezes são os dois)


era quinze de agosto de dois mil e vinte e três, onze horas e quatro minutos da noite. vi um vídeo que explicava como é comum em buracos na beira dos rios encontrar cobras. ele mostrava uma cobra enrolada debaixo de uma água límpida. éramos advertidos a escolher águas em movimento. a primeira vez que entrei no rio da paciência tinha uma cobra da mesma cor da pedra em frente à queda d'água que me coloquei de cabeça. as crianças tinham um nome para ela na ocasião eu só tinha pernas para correr. a primeira vez que tirei uma cobra de dentro de casa escutei meu coração no pulso da garganta. fico na água até arrepiar. angústias eu disseco. os animais sempre preferiram desviar o caminho. as águas das pedras. é patético entrar numa banheira quando conhecemos as propriedades do mar.