um bom critério para dizer se a semana foi boa é a sua quantidade de coincidências. primeiro a gente deita de noite num pequeno quadrado de terra cercado de prédios asfalto os esgotos os ratos acumulados da cidade você fala olha a constelação de órion e fico imaginando se um dia vou reencarnar uma estrela rasgando o vácuo na determinação de nada. e o preâmbulo disso era não parar de cantar brilhar brilhar acontecer brilhar faca amolada. andando de cueca e meia pela casa dançar sozinha na minha sala rodeada da minha bagunça enquanto órion procura escorpião. o universo pode ser tudo mas quando não é para ser você sempre vai estar no céu com essa falta. quando ando na cidade o que sinto é cheiro de medo. um prédio é pavor, o elevado joão goulart, a varanda gourmet. não viajar sozinha porque medo. nem no trânsito porque medo. nem muito de manhã de noite então muito pior o perigo desse medo. não ligar para alguém porque medo. me acompanhar com medo que me reste apenas eu. esse medo de ter que olhar nos olhos de quem faz um bom silêncio.
terminar o dia tomando banho de mangueira no quintal de uma pessoa amiga e fazer isso ter alguma coisa de transgressiva para você. refrescar o colapso climático não comprar tanto pelo correio porque as pegadas do carbono que posso evitar. penso o tamanho que precisa ser a importância para isso acontecer. os anéis de saturno no telescópio são visíveis e fico com a impressão que ele não é uma máquina de super ver o real mas é só uma outra telinha para você se convencer. não entender uma coisa é a prova que nem toda pergunta é fruto de uma mente arguta. as frases longas tem suas próprias necessidades de excesso. aceitar uma frase longa no capitalismo tardio é uma atividade de hércules.
dançar. dançar com um corpo perto. dançar em sinestesia com um corpo perto. abrir o corpo para dançar. abrir o corpo para dançar com um outro corpo perto. abrir o corpo para dançar em sinestesia com um outro corpo perto. aprender a confiar no instinto. na sabedoria das mãos. na intuição de que onde quer que ela esteja tem um sorriso debaixo da tenda e a forma de sair à francesa como se toda frase pequena fosse um bom corte poético. quem sou eu para dizer não num mundo de coincidências. eu tenho tentado decorar um poema não porque eu quis mas porque me propuseram e isso quer dizer também quem sou eu para dizer não. as vezes é melhor olhar para a tristeza porque os anéis de saturno são uma verdade mas estão longe demais. gosto de saber das coisas boas que são boas não porque você gosta mas porque elas te fazem sentir. saber sentir para além da condição dada. sentir que não deve fazer nada com esses limões. não dar um nome ainda. as vezes não sei se órion sou eu ou é você.
eu estava esperando acabar hoje porque daqui a pouco ou vai ter samba ou vai ter chuva. ainda penso que pode ter os dois. não aguentei não sentar um pouco para imaginar a sua pele.
quando você descobrir a minha imaginação saberemos também sobre o seu caráter. será você dos que acreditam em mentiras ou será você dos que acreditam. hoje eu olhei para tudo o que fui capaz de reter e pensei que isso é um bom critério para medir se uma semana foi boa. hoje não acaba nunca. e nessa chuva sem fim de são paulo abriguei minha bicicleta na casa de uma pessoa amiga e fui de carro. o motorista se despediu: moça, uma boa semana
não se esqueça que o corpo é energia concentrada
e a gente não morre.
e a gente não morre.