quando via borboletas ficava a olhar para elas

quase tudo o que conheço como psicodelia brasileira combina com um carro velho, a boa companhia, a estrada que não é nenhum tapete mas é o céu dessa terra sanguinária onde cantam os sabiás. as aves que aqui gorgeiam kukukayam. não sei você, mas teve um tempo que realmente achei que a minha história era a mais triste de todas. é quando eu fui saindo aos poucos de casa, ainda desenhando mapas nas páginas amarelas, que percebi a minha procura tão datada. tudo fica tonto ao pensar que nascida em outro céu as questões seriam outras. tomo banho de chuveiro elétrico. é assim que prefiro.

eu queria aprender a ler como quem encontra na frase a sombra
o mundo onde a palavras e as coisas cabem no que a gente quer dizer
queria parar de ficar faltando embora pareça mesmo que
entender algo é parar de falar de algum jeito

não ter mais a procura da palavra é uma sensação sobre coisas que não são boas e nem ruins
num segundo quero tanto não precisar falar
no outro nada aquieta
volto muitas vezes atrás só não falo sobre

escrever assim sufoca o artista o leitor o jeito de quem sabe o que está fazendo o que eu quero fazer. ninguém vai entender nada o abandono.

para o entreter, compre-lhe cadernos com folhas brancas e canetas

é uma decisão que me intriga que seja o verso
a quebra da continuidade
a decisão entre parar onde a respiração pede ou alongar até a respiração pedir
o modo dos poetas

tem uma coisa de água de nascente
onde se abaixa para mergulhar
sendo pega na ponta da orelha

quando você tem um lápis e um caderno pelo menos parece que você se ama
o mais importante da pirâmide das necessidades? é a liberdade

ela quer ir pro forró eu quero aprender a sustentar a pisada
eu perdi muita coisa cedo demais
fiquei com mais saudade do que não vivi como quadro crônico

uma mãe descrita com patas de ursa é um tema entre as mulheres
é um boato que eu inventaria

meu ofício é de papel
tem que ter cuidado ao molhar
eu poderia fazer qualquer coisa
já recolhi o resto da mesa de vocês
descobri que as coisas podem ser outras
meu ofício lida com papel e lápis
tenho a minha violência para passar a borracha
escrever mais forte por cima entrar nessa rinha sem pudor

teve um dia que foram as mulheres que me guardaram
encho o pulmão demais e solto as palavras maiores que o apropriado

eu tinha vontade de entender como se lia a ponto de se emocionar
não conseguia ver a janela nem supor o outro lado do mundo
minha primeira escolha foi romeu e julieta
eu odiei não entender onde encontrava a intenção de doer das palavras
o que tinha no papel não senti nada
odiei shakespeare entristeci comigo

semana passada o mundo fez um pequeno coro na minha frente
só para me fazer ver que experiência não é vivência
e fico envernizando esses segundos como os sinais
que não importa o que digam são a prova
algo nos sustenta minimamente no universo
você cruza para entrar aqui

se a coincidência tem data nome e sobrenome
é feitiço com o tempo o tema que estamos tratando

distrair-se tem sido tão envenenado
que acordar a vontade e dar a ela um foco
tem sido minha trilha
para aprender com o poeta que eu comprei
o livro sem ter terminado o anterior
a liberdade de outras coisas além de
tanto corpo em choque
toda emoção é uma quantidade de descarga elétrica
e a gente se apega tanto que dá a ela um nome

não, tenho aqui uma palavra qualquer que está a querer sair. perdão, mas vou ter de a escrever.

você acha que toda chuva é cuspe dado para cima
ou todo choro na cara leva enquanto levanta

eu tenho um trabalho e ele me paga
amansa assina contratos tem cartão exclusivo
melhor desconto de dívidas antes jogavam sapatos
agora mudou muito os processos saúde mental das pessoas
acabou de completar a quarta hora de homenagem ao diretor
se eu não matar eu vou morrer
se eu não gritar eu vou dizer
cair atirando é repetir
não há nada mais bonito do que ser independente
as bibliotecas comunitárias
as pequenas publicações
o sábado a tarde
o centro comunitário
tudo o que se decide com o corpo na rua
o que fica em vermelho no arenito

cinco da manhã é minha hora favorita
você estando na cama comigo ou não

cheguei no portão do mundo
pedi para aprender a ler poemas
como as pessoas que escrevem poemas os dão aos domingos a alguém
a frase na folha do caderno de dez matérias é um verso
eu estou dizendo
deixa eu experimentar seu óculos
colocar os dedos na lente
sentar sobre ele esquecido no sofá
embaçar depois do mergulho de rio
fechar o olho porque encostaremos nossas bocas
te mostrar meu rosto sem teoria
você pede para me ouvir
eu bicho de gemer e grunir
preciso andar de quatro pontas no chão
obrigada a ser bípede quando queria ler poemas
como quem vira de costas para receber
o que tem para hoje

talvez os poemas possam melhorar os negócios. não sei de onde me saiu aquela ideia absurda.

é sobre ter ideias mais altas
andar de quatro é ter o coração mais perto da terra
ler poemas é aprender um ofício antigo
fugir pela janela significa também que tenho mãe
quando estou numa reunião de trabalho
e reclamo das regras como quem
não obedece não tem juízo
me vem onda de medo
me vem onda de alívio

não acertar a cadeira não apaga o efeito da intenção
é preciso aprender a fazer sua comida para mudar de vida
viver o lugar proibido é também território do gesto sem valor

gastar com os trabalhadores para lucrar com isso
não me acostumo fico ofendida quero empacar

o poeta dizia que os versos libertam as coisas. que quando percebemos a poesia de uma pedra, libertamos a pedra da sua “pedridade”. salvamos tudo com a beleza. salvamos tudo com poemas. […] temos de libertar as coisas.

queremos liberdade para fazer o que, mesmo?
errar para não corresponder à sua falha

não tenho pressa
não tenho a vida toda também